História e Património das "Terras de Algodres"
(concelho de Fornos de Algodres)
ed. Nuno Soares
Contacto: algodrense(at)sapo.pt
Domingo, 26 de Março de 2006
A CASA DA FAMÍLIA DE MANUEL DE PINA CABRAL EM FONTE FRIA

CasaPinaCabral.jpg

 

 

 

(colaboração de João Rocha Nunes)

 

  

 

No seguimento do artigo referente à biografia de Manuel de Pina Cabral, importa saber se na localidade de Fonte Fria existem, na actualidade, elementos materiais ligados à figura do latinista. No conjunto do casario da Fonte Fria, uma das casas, junto à entrada da povoação, chama a atenção pelo facto de ser claramente uma estrutura habitacional que se distingue de todas as outras na localidade. Esta distinção decorre da habitação ter sido de uma família abastada, embora sem quaisquer foros de nobreza (a casa não tem qualquer brasão ou símbolo nobiliárquico). De notar, que Pina Cabral era oriundo de uma família de lavradores abastados -  o avô, Manuel de Andrade, que era capitão de ordenanças, obteve uma mercê de D. João V que lhe possibilitou o aforamento de terras concelhias[i]. A prática agrícola fazia, igualmente, parte da vida dos progenitores, como se verifica pelo facto de os pais de Pina Cabral terem vinculado terras à Igreja: António de Pina e Maria de Santiago [pais de Manuel de Pina Cabral] eram “senhores e posuidores de duas capelas hua das quais se compunha de umas fazendas sitas na dita vila [Matança] com a obrigação de 26 missas e alem desta mais hua com hum responso e a outra capela se compunha de fazendas sitas no lugar de Pindo concelho de Penalva (…) com encargo de hua missa e hum responso” [ii]. Estas capelas foram extintas em 22 de Fevereiro de 1774, por não terem de rendimento anual 100 mil réis.

 

 Em virtude de nesta localidade não ter existido outra família que tivesse a mesma importância na sociedade local, podemos considerar que esta casa pode muito bem ter sido da família de Pina Cabral. Se analisarmos a estrutura (cantaria; contrafortes; janelas) verificamos que a casa foi edificada nos séculos XVII ou XVIII, o que mais uma vez vem corroborar a hipótese sugerida. Contudo, não há provas documentais que permitam referenciar esta habitação como local do berço de Manuel de Pina Cabral. No registo de baptismo faz-se referência ao facto do franciscano ter nascido na localidade de Fonte Fria[iii]. Todavia, nos registos paroquiais dos irmãos do latinista refere-se que nasceram na quinta do Deserto[iv]. Sabe-se que esta quinta se situava no termo de Matança (Pedro Leitão, em 1708, edificou aqui uma capela consagrada a Nossa Senhora da Assunção)[v]. É sabido, também, que António de Pina e Maria de Santiago, pais de Pina Cabral, residiam na quinta do Deserto. É possível que esta quinta, da qual não se conhece a localização, estivesse situada num local próximo da Fonte Fria e que o pároco no momento do baptismo de Pina Cabral tivesse feito referência ao aglomerado populacional próximo e mais densamente povoado. Ao invés, é igualmente possível que Frei Manuel de Pina Cabral, por um qualquer motivo que hoje desconhecemos, tenha nascido na Fonte Fria, na habitação que era pertença do seu avô. Como uma última nota, importa fazer referência ao estado de ruína em que se encontra a casa que foi da família de Pina Cabral que, à semelhança do que aconteceu com a erosão da memória do latinista, se encontra também num total estado de degradação.

 



[i] IAN/TT – Chancelaria de D. João V, Mercês, liv. 96, fl. 171v. Em 27 de Maio de 1738, Manuel de Andrade conseguiu uma provisão de D. José que lhe permitiu aforar terras concelhias na Matança, mais precisamente “um pedaço de terra que era de tojal no limite da mesma vila aonde chamam de barrocal da atalaya que partia com o suplicante e ribeira de carapito que não rendia cousa alguma ao dito concelho”. 

 

[ii] IAN/TT – Chancelaria de D. José – Extinção de Capelas, lv. 11, fl. 308. Sobre as questões associadas à morte e em particular aos legados pios na época moderna ver Ana Cristina Araújo – A Morte em Lisboa: Atitudes e representações 1700-1830, Lisboa, Editorial Notícias, 1997, p. 271-295.

 

[iii] Arquivo Distrital da Guarda – Livro de registos de Baptismo da Matança, rolo 687/068, item 5, fl. 62

 

[iv] Idem, fls. 71v, 85, 100.

 

[v] Arquivo Distrital de Viseu, Câmara Eclesiástica, Livros de Registo, 10/424, fl. 93  - 93v; 94v - 97.

 



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Terça-feira, 14 de Março de 2006
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Tribunal2006.JPG

Algodres - antigo Tribunal e Paços do Concelho

(foto de Albino Cardoso   -   Fevereiro de 2006).


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Segunda-feira, 13 de Março de 2006
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Tribunal-Algodres.JPG

Tribunal e Paços do Concelho (c. séc. XVII ?)

Algodres  (Agosto de 2001).


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Quarta-feira, 8 de Março de 2006
A importância de Fornos na época moderna

JFFornos-Postal.jpg

 

(colaboração de João Rocha Nunes)

 

            Nota Prévia: o presente texto foi inicialmente projectado para ser um comentário ao artigo de Albino Cardoso – A Santa Casa da Misericórdia de Algodres. Aliás, quero cumprimentar o seu autor pelo facto de se ter debruçado sobre a história e estética desta instituição algodrense. No entanto, por me alongar na escrita, achei que seria preferível publicar este texto em forma de artigo.

 

            Penso que a localidade de Algodres, apenas por ter sido pioneira nas terras de Algodres no que se refere à instituição da Misericórdia, não pode ser considerada como mais importante do que Fornos em inícios do século XVII. O facto de Fornos não ter tido esta instituição mais cedo pode ser explicado pela razão de já existir nesta localidade um hospital, pelo menos desde o século XVI[i]. De notar, que a partir do momento em que a Misericórdia foi instituída na vila, a existência do hospital deixou de fazer sentido, tendo sido extinto e os bens incorporados no património da Misericórdia[ii].

 

Sem dúvida que na baixa Idade Média Algodres foi a localidade mais importante de todas aquelas que actualmente compõem o concelho de Fornos de Algodres em virtude, entre outras coisas, da sua localização geográfica, que permitia em tempos de guerra exercer um controlo efectivo do vale do Mondego. Todavia, com o advento da época moderna, e com uma certa pacificação do território português, alguns locais foram perdendo importância – Algodres foi um deles. Penso que Fornos se destacou das outras localidades, e em particular de Algodres, logo a partir de inícios do século XVI, sendo que no século XVII já era seguramente o local de maior relevância de todos os que actualmente compõem o concelho. Consubstancio esta minha hipótese nos seguintes elementos:

 

1 – Quantitativos populacionais: em 1527, Fornos tinha mais habitantes do que Algodres; no decurso deste século e da centúria seguinte o aumento demográfico de Fornos é muito superior ao das outras localidades circunvizinhas[iii].

 

2 – Representações religiosas/simbólicas: a procissão de Corpus Christi – em 1555 eram obrigados a se deslocarem a Algodres (para além das gentes do seu termo) as populações de Fornos, Matança, Infias e Pena Verde, por forma a participarem na festa de Corpo de Deus[iv]; Em 1617, já esta festa se fazia em Fornos, com as gentes de Infias, Matança e Figueiró. A procissão de Corpo de Deus em Algodres, embora não deixasse de se fazer, passava a ser realizada apenas com os habitantes da localidade e do termo[v]. Esta “desvalorização” de Algodres feita pelo bispo de Viseu, com a perda de população de outros concelhos na festa mais importante do calendário religioso, é claramente um sinal do declínio da localidade que contrasta nitidamente com a valorização de Fornos neste período.

 

3 - A Misericórdia de Fornos: embora sendo mais recente, cerca de meio século do que a sua congénere algodrense, foi seguramente mais rica do que a de Algodres. Daqui se infere que esta localidade, através de uma dinâmica própria, gerou um conjunto considerável de receitas, sendo que parte deste rendimento foi canalizado para a edificação de uma obra assistencial no decurso dos séculos XVII e XVIII [vi].

 

 Este acentuado desenvolvimento de Fornos no decurso da época moderna pode ser explicado por um conjunto de factores, em particular pelo facto desta vila se situar junto a uma das principais vias de comunicação do país (Pinheiro Marques já tinha relevado este aspecto, embora a meu ver não o tenha suficientemente valorizado)[vii]. A sua privilegiada situação geográfica acabou por potenciar o desenvolvimento da localidade (comercial e agrícola) e Fornos transformou-se num pólo de atracção de pessoas, inclusive alguns estrangeiros (um dos indivíduos que caíram nas malhas da Inquisição, em 1653, foi um tal de Diogo Martins de Portilho, barbeiro, de Biscaia, e residente em Fornos de Algodres)[viii].

 

O desenvolvimento comercial, aliado a um desenvolvimento da prática agrícola potenciado pelas características do clima e do solo, foram determinantes para um efectivo aumento demográfico. Não será de excluir que alguma população de Fornos fosse, também, oriunda de localidades próximas, inclusive de Algodres – só um estudo demográfico o pode asseverar. Como mero exemplo, veja-se o caso do pai de Costa Cabral, António Bernardo da Silva Cabral, que era natural de Algodres, tendo casado em Fornos com Francisca Vitória Rebelo e estabelecido residência nesta vila[ix].

 

O facto do liberalismo ter legitimado Fornos como sede concelhia em 1834, não foi mais do que o reconhecimento de uma localidade cuja dinâmica já seguramente remontava aos primeiros decénios da Idade Moderna.

 


NOTAS:

[i] Pinheiro Marques – Terras de Algodres, Ed. Câmara Municipal de Fornos de Algodres, 1988, p. 139-140.

 

[ii] Idem, ibidem.

 

[iii] Ver os quantitativos populacionais para as terras de Algodres publicados por Pinheiro Marques, ob., cit., p. 106; 156.

 

[iv]D. Gonçalo Pinheiro – Constituições Sinodais do Bispado de Viseu, 1555, fl. 48v.

 

[v] D. João Manuel – Constituições Sinodais do Bispado de Viseu, 1617, fl. 244.

 

[vi], Instituto de Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Memórias Paroquiais, vol. 16, nº 129, p. 793-394; Pinheiro Marques, ob., cit., p. 121.

 

[vii] Pinheiro Marques, ob., cit., p. 106.

 

[viii] Instituto de Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Inquisição de Coimbra, Processo de Diogo Martins de Portilho, 1653, Masso 339º.

 

[ix] Arquivo Distrital da Guarda – Registos paroquiais de Fornos de Algodres, Baptismos, rolo 66, fl. 79.

 



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Terça-feira, 7 de Março de 2006
...

Calvario-Algodres1.JPG

Senhora do Pé da Cruz   -   Algodres  (Dezembro de 2005).


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publicado por algodrense às 23:43
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