História e Património das "Terras de Algodres"
(concelho de Fornos de Algodres)
ed. Nuno Soares
Contacto: algodrense(at)sapo.pt

Domingo, 26 de Junho de 2005
Toponímia algodrense 2: a vegetal Matança.

(entrada dedicada ao forcadense Dr. César Costa)

 

Correspondendo a sugestões recebidas, começamos hoje a alargar as entradas deste blog a outras povoações do concelho de Fornos de Algodres, começando pela freguesia da Matança e pela origem desse impressivo topónimo.

 

 

 

A história da freguesia ficará para outra ocasião. Para já, referiremos apenas que, nos alvores da nacionalidade, as terras da Matança foram reguengos que se constituiram em concelho. O primeiro foral documentado foi-lhe outorgado por D. Afonso III (MARQUES, 1938, p. 299). Nas Inquirições de 1258 (PMH-INQ, p. 791), a vila é referenciada e denominada “Matancia”.

 

 

 

O topónimo Matança está documentado em Portugal pelo menos nos concelhos de Fornos de Algodres, Lamego e Monforte. Aparece também na Galiza, como Matanza, em Lugo e Corunha.  A interpretação mais corrente fá-lo derivar do s. f. matança (acção de matar, carnificina, ...)  (MACHADO, 2003, vol. 2, p. 961).

 

 

 

Mons. Pinheiro Marques  (MARQUES, 1938, p. 298) perfilha a mesma opinião:

 

“ (...) O nome de Matança vem-lhe de um encarniçado combate ali travado, segundo uns, entre romanos e bárbaros (alanos?) e, segundo outros, entre cristãos e árabes.

 

Desta segunda opinião é um manuscrito em poder do sr. P.e Pinto Ferreira, actual capelão do santuário da Lapa.

 

Segundo êste manuscrito, passando Almansor com as suas hostes por Aguiar da Beira, e tendo destruído o convento do Sismiro, marchando para o Sul, pelo vale do Dão iam assolando, incendiando e matando quanto encontravam no seu caminho.

 

Ao presenciarem tantas calamidades, muitos capitãis cristãos se reuniram e procuraram fazer-lhe frente numa planície que ainda hoje tem o nome de «Campo do Desbarate», na povoação do Souto de Aguiar; mas os cristãos foram vencidos sendo mortos alguns dos principais cavaleiros com muitos soldados a pé.

 

Continuando os mouros a sua marcha para o Sul, reuniu-se um maior número de cristãos e caíram de improviso e de noite sobre eles, infligindo-lhes uma grande derrota, em que morreu grande número de sarracenos.

 

O lugar em que se feriu êste combate ficou conhecido pelo nome de Matança.

 


Os que opinam ter sido o combate entre romanos e bárbaros, fundam-se na tradição local que assim o conta, dizendo-se que os romanos, repelindo os bárbaros, fizeram neles tão grande mortandade que ao sítio se ficou chamando «Matança Grande".

 

Abonam-se estes ainda com a tradição de que existiu no sítio, até ao fim do século passado, uma lápida romana alusiva ao facto. (...)”.

 

 Porém, um insígne estudioso da toponímia portuguesa, o saudoso A. de Almeida Fernandes, propõe uma explicação diferente, menos ligada ao sentido imediato – quase “falante” – do termo Matança:

 

“(...) Creio que se trata de derivado de “matto”, como Matados, Matela, Matinho, Matagosa, Matosa, etc., com seus derivados e flexões. Para o suf., cp. “ribança”, “mestrança”, Pinhanços, etc.“ (“A toponímia da Beira Alta no “Dicionário Onomástico Etimológico” de José Pedro Machado”, BA, vol. LVII, nºs. 3-4, 1998, p.251; sublinhado nosso).

 

 No caso particular de Matança do concelho de Fornos de Algodres, inclinamo-nos a considerar que a explicação alvitrada por A. de Almeida Fernandes será a mais plausível.

 

 As opiniões referidas por Mons. Pinheiro Marques, parecem pouco seguras. Para além de não serem coincidentes quanto à cronologia da “matança” que invocam, abonam-se em manuscritos ou epígrafes que, a terem existido, hoje não conhecemos e cujo teor e credibilidade não é possível aferir.

 

 Por outro lado, na envolvente próxima da nossa Matança, registam-se outros topónimos derivados de “mato”, com destaque para a vizinha povoação da Matela, sede de freguesia do concelho de Penalva do Castelo.

 

 As terras da Matança terão sido assim, provavelmente, densos matagais que foram arroteados e povoados na época em que se fixou este topónimo, que não terá a ver com qualquer mortandade ali ocorrida.

 

 Bibliografia:  v. entrada de 2005-05-09.

 



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Terça-feira, 31 de Maio de 2005
Toponímia algodrense: Algodres

VistaGeral1JPG.jpg 

 

Vista geral de Algodres

 

(tirada do Comborço - no topo da vertente - Agosto de 2001)

 

(entrada dedicada a Alcortex e ao Alex)

 

O topónimo Algodres é bastante invulgar.

 

 

 

No território nacional, tanto quanto sabemos, dá nome apenas a duas povoações, ambas no distrito da Guarda: Algodres, sede de freguesia no concelho de Fornos de Algodres e outra aldeia com idêntico nome, sede de freguesia no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo. 

 

  

 

Algodres se chama ainda uma quinta na freguesia de Cambres, concelho de Lamego (LIMA, 1932). 

 

  

 

Outros topónimos terão origem semelhante, como, por ex., Algodor - no concelho de Mértola -  ou Algodre - em Zamora, Espanha  (MACHADO, 2003, vol. I, p. 97).

 

 

 

A origem deste topónimo tem dado azo a diversas explicações, mais ou menos especulativas.

 

 

 

Segundo informa Mons. Pinheiro Marques, o Pe. Luiz Cardoso defende (Diccionario Chorographico...) que o topónimo terá derivado da palavra latina Algodrium (MARQUES, 1938, p. 284).  Tal palavra não aparece, porém, em qualquer dos dicionários de latim a que tivemos acesso, como já havia notado o Pe. Luis Ferreira de Lemos (LEMOS, s/d).

 

 

 

Pinho Leal afirma que Algodres (de Fornos de Algodres) “chamava-se antigamente Algodrons e depois Algodes”, opinando que “Algodres talvez seja corrupção da palavra arabe alcoton, algodão” (LEAL, 1873).  Não sabemos que evidências terá Pinho Leal encontrado da evolução toponímica que invoca, nem ele as indica. A grafia “Algodres” já aparece no foral de Linhares de 1169 (MOREIRA, 1980, p. 50) e nas Inquirições de 1258 (PMH-INQ, p. 790).

 

 

 

A tese de Pinho Leal foi criticada por (LEMOS, s/d): “...(entre parêntesis digamos que em árabe é AL CU TUM e não AL CO TON) Será que Algodres tenha sido, no tempo de  Islão, algum centro Comercial de algodão? Porque deu Algodres e não deu por ex. Alcoitão?...”.

 

 

 

O mesmo autor (LEMOS, s/d), apresentou outra hipótese explicativa, que a seguir se transcreve:

 

“III – Seja-me permitida uma terceira hipótese.

 

1 – É sabido que AL é um artigo árabe.

 

2 – AL é também palavra céltica usada por Virgílio.  Não se lhe sabe porém o significado.

 

3 – “CORTEX”, vocáb. latino, significa cortiça ou casca de árvore.  AL (céltico ou árabe) como perfixo e CORTEX poderiam muito bem estar na origem do nome em causa.  AL CORTEX – ALCOTREX – ALGODREX.  Ainda que venha pelo acusativo, a evolução vem a dar no mesmo.

 

É estranha, concordo, ou mais que isso esta hipótese.  Há porém ainda hoje magníficos exemplares de sobreiros, descendentes de muitos mais que em tempos houve, segundo me disse o Horácio sacristão.”.

 

 

 

As explicações acima mencionadas parecem ser, salvo melhor opinião, bastante forçadas.  A primeira pressupõe a existência de uma palavra cujo sentido se desconhece e que os dicionários não registam. A segunda, busca a raíz do topónimo no nome de uma planta cujo cultivo e/ou comércio nesta região não está atestado nem parece plausível, para além de pressupor uma evolução (AlgodronsAlgodes) que não encontra apoio em documentação conhecida. A terceira hipótese, prefigura uma evolução toponímica puramente especulativa, a partir de uma associação de vocábulos latinos e célticos ou árabes, que o próprio autor reconhece ser estranha, mesmo chamando à colação a comprovada existência de sobreiros autóctones no planalto beirão ou a proximidade de topónimos como “Sobral”.

 

  

 

Mais bem fundada e plausível parece ser a proposta de José Pedro Machado (MACHADO, 2003, vol. I, p. 97): Algodres terá origem árabe, derivando de “al godor”, plural de “gadir”, palavra que significa lago, lagoa, ribeiro ou pântano. Como já referimos (1), ribeiros e nascentes não faltam no planalto de Algodres, chamando-se ainda hoje “Alagoas” uma das bolsas de terras mais férteis e irrigadas da freguesia.

 

 

 

A mesma opinião foi defendida pela Profª. Maria Jesus Viquera Molins, da Universidade Complutense de Madrid, em relação a Algodres de Figueira de Castelo Rodrigo: “Algodres, bien cerca de onde ahora estamos, significa  Las Lagunas” (conferência citada no Portal da aldeia de Algodres, do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo).  Curiosamente, como se refere no mesmo Portal, o orago daquela freguesia “... é Nossa Senhora da Alagoa” e “... nela existe um sítio denominado Alagoas, por sinal rico em água, onde existe uma fonte pública com o mesmo nome – fonte das alagoas ...”.

 

 

 

 

 

Ainda que muito raramente, Algodres aparece também como apelido, de evidente origem toponímica.  O catálogo da Biblioteca Nacional regista, por ex., uma tese de mestrado de que é autora Maria Amélia Martins Algodres Calisto Lopes (Lisboa, 2000).

 

 

 

Notas:

 

1 – Cf. entradas de 2005-05-18 e 2005-05-19.

 

 

 

Bibliografia e abreviaturas:  v. entradas de 2005-05-09.

 



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