(colaboração de João Rocha Nunes)
A visita pastoral foi um dos instrumentos ao dispor dos prelados, no período moderno, para corrigir e disciplinar os comportamentos dos fiéis[i]. Decorrente das determinações do Concílio de Trento, obrigava-se todos os bispos ou alguém enviado por eles (o visitador)[ii], com uma periodicidade quase anual, a percorrer todas as freguesias da diocese[iii]. O intuito da visita, para alem da difusão da pastoral, era o de verificar o estado de conservação das infra-estruturas religiosas e objectos de culto, de perscrutar a vida e acção do pároco e clérigos locais e de procurar disciplinar determinados comportamentos considerados desviantes do conjunto de fiéis que habitavam uma determinada comunidade: os então designados pecados públicos, porque a notícia do delito era, muitas vezes, de ordem pública, isto é a comunidade, ou alguns indivíduos da localidade tomavam conhecimento dos crimes por presenciarem a prática dos mesmos ou pela existência da chamada fama pública[iv].
Entre 1684 e 1689 caíram nas malhas da justiça episcopal de Viseu seis indivíduos originários das terras de Algodres. Mais do que os aspectos associados ao funcionamento do tribunal episcopal ou da mecânica das devassas na diocese de Viseu, interessa-nos perscrutar a existência de cada uma destas pessoas, em particular os comportamentos que despoletaram a acção judicial operada pelo poder episcopal de Viseu.
Em inícios de 1684, o padre Manuel Cabral, morador em Infias, que vivia com o irmão Pedro Cabral, abade desta mesma localidade desde 1649[v], iniciou uma relação afectiva com a criada por mais de seis meses athe ao tempo da vesita a qual acabou por engravidar e logo que a cúmplice se mostrou prenha se fora para o bispado da Guarda por ordem do réu[vi].
Este caso é paradigmático da rede de relações pessoais que se estabelecia entre familiares e dependentes. Com efeito, Manuel Cabral vivia na dependência do irmão que era o sustentáculo da família, em virtude do benefício que auferia como abade de S. Pedro de Infias. Por outro lado, a vivência em Infias do pároco e de alguns membros da sua família por um período de largas dezenas de anos, promoveu o reforço dos laços sociais entre os clérigos e alguns dos habitantes da localidade. Muito embora os bispos obrigassem a que as criadas dos eclesiásticos fossem de idade superior a 50 anos[vii] - para evitar situações de proximidade afectiva entre eclesiásticos e o género feminino - esta determinação, como se verifica pelo presente caso, nem sempre se cumpria nesta época nos nossos dias já não se pode dizer o mesmo; todos nós nos lembramos que os padres tinham e penso que ainda têm para as lides da residência paroquial maioritariamente pessoas do sexo feminino cuja juventude há muito se apagou - a acção episcopal no período moderno, nesse sentido, acabou por surtir o efeito desejado.
Mas voltemos à Infias do século XVII. Numa tentativa de ocultar a prova do crime, Manuel Cabral enviou a criada e o filho para o bispado da Guarda. Esta prática ocultação da prova do crime - que por alguns processos mais ou menos mediáticos podemos verificar que chegou até à actualidade, não foi suficiente para que o réu saísse ileso do processo. Foram condenados a uma pena pecuniária de primeiro lapso para as obras da sé e custos do processo. Numa época em que judicialmente se era culpado em prova em contrário, ambos foram culpabilizados a existência de três testemunhas que corroborassem a culpabilidade de alguém era suficiente para se efectivar a sua condenação e pelos vistos havia em Infias quem aparentemente não gostasse ou reprovasse as acções do padre Manuel Cabral.
Notas:
[i] Sobre o processo das visitas pastorais ver em particular a síntese sobre esta matéria feita por José Pedro Paiva, As visitas pastorais in Carlos Moreira Azevedo, História Religiosa de Portugal, vol. II, p. 250-255.
[ii] Seria interessante saber se existe, ainda, este tipo de fontes nas freguesias que compõem o concelho de Algodres, uma vez que são relevantes para o estudo da história local.
[iii] José Pedro Paiva e Joaquim Ramos de Carvalho, Visitações, in Carlos Moreira Azevedo, Dicionário de História Religiosa de Portugal, Círculo de Leitores, 2000, p. 367.
... é o nome de uma associação de defesa do património de Fornos de Algodres que vai ser constituída na próxima semana.
Mais informações no Desassossegos.
(transcrita por João Rocha Nunes)
(imagem via TT OnLine)
A El Rei nosso senhor
Do senhor corregedor da comarca da Guarda
Senhor
E porque as cousas que ao que vim de V.M cabem da administração da sua justiça cumprir que eu por bem de meu cargo obrigado fazer-lhe saber / portanto pela presente faço saber como indo eu ora fazer correição ao concelho de Algodres terra e jurisdição do conde de Linhares tirei sobre os oficiais do dito concelho devassa pelos capítulos da ordenação e regimento no caso e como outrossi pelo meu regimento me obriga/ e por a tal tempo achar por informação que um Gonçalo Roiz tabelião do publico e judicial e escrivão dos orfaos no dito concelho ter cometido em qualidade (?) de seus ofícios e com o poder deles tais erros e de tal qualidade que deles senão pode devassar senão por especial provisão de V.M. como pela forma das faltas consta os quais serão com esta que faço a V.M aprezenta - los/ portanto que lhe faço assi saber pelo que a seu serviço e a bem de sua justiça cumprir para em ele V.M. mande prover como ouver por mais seu serviço; que nosso senhor prospere o seu real estado no dilatamento de dias de vida e de muitos mais reinos e grandezas/ desta vila de Gouveia aos 27 de Abril de 1538
O Doutor António Vaz Raposo
(IANTT - Corpo Cronológico, Parte I, mç. 80, n.º 81).
Alvará de 15 de Março de 1657
(Recebedores de sisas no concelho de Algodres)
EU EL-REI faço saber aos que este Alvará virem, que, havendo respeito ao que se me representou por parte dos Officiaes da Camara e Concelho da Villa de Algodres, Commarca de Pinhel, e a molestia que recebem os moradores da dita Villa em se acharem nella poucos Recebedores da siza, e para melhor arrecadação della, e acharem ser mais conveniente haver nos logares Recebedores pequenos: - hei por bem fazer-lhes mercê conceder licença que possam eleger nos logares do dito Concelho, em cada um Recebedor que naquelle logar tire a dita siza aos quarteis, e que vão por ordem cada um quando lhe couber o seu quartel, e que haja na Villa um Recebedor a quem estes Recebedores pequenos entreguem o dinheiro para que ele o entregue ao executor, por não poder arrecadar de tantos Recebedores menores.
Pelo que mando ao Provedor da Commarca de Pinhel, e aos Ministros, Officiaes, e pessoas a que o conhecimento disto pertencer lhes deixem fazer a dita eleição na fórma referida, a qual eleição que se ahi fizer se cumprirá, e este Alvará tão inteiramente como nelle se contem, etc.
João da Silva o fez, em Lisboa, a 15 de Março de 1657. Fernão Gomes o fez escrever.
RAINHA
Liv XXI da Chancellaria fol. 35.
In:
SILVA, 1857, p. 234.
Disponível on-line em Ius Lusitaniae.
Anotação:
Na vila de Algodres eram cobrados os direitos reais devidos no vasto termo desse concelho e em concelhos limítrofes.
Mons. Pinheiro Marques (MARQUES, 1938, p. 288) afirma que: em Algodres funcionavam também os serviços de lançamento e cobrança de cisas e décimas, se não de todos os outros concelhos da região, pelo menos do de Figueiró da Granja (cf., no mesmo sentido, p. 17 e 66).
Este Alvará documenta que, à semelhança de outras autoridades secundárias existentes nas povoações do termo, foi autorizada, em 1657, a eleição, para cada lugar do concelho, de um Recebedor pequeno, reportando ao Recebedor da Siza da sede do concelho.
Este documento encontra-se depositado na Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Chancelaria de D. Afonso VI, liv. 4, fl. 69v ref. PT-TT-RGM/01/333199 (v. TT OnLine).
Bibliografia: v. entradas de 2005-05-09.
(Eleição de Alcaides na Vila de Algodres)
EU EL-REI faço saber aos que este Alvará virem, que os Officiaes da Camara da Villa de Algodres me representaram por sua petição, que, sendo a dita Villa grande, como é e se achava, com um Termo mui dilatado, pois constava de doze Logares, crescendo no numero dos moradores em maior augmento, estando servindo de Juizes Ordinarios as pessoas principaes delles; e que, como as causas que se moviam eram muitas, lhe não podiam dar expedição, e ás ordens que de meu serviço se lhes commettem, com a pontualidade necessaria, e menos porque na dita Villa não havia Alcaide que fizesse diligencias algumas, como era justo; por quanto a todas não era possivel acudirem os ditos Juizes: - motivo porque esperavam que eu fosse servido attender ao referido, e ao prejuizo, que podia resultar ao meu Real Serviço, por não haver Official de Justiça, a quem se houvessem de encarregar as cousas tocantes a elle: - pedindo-me lhes fizesse mercê conceder licença, para que podessem eleger o dito Alcaide, e que este podesse meirinhar, visto não haver de ter ordenado.
E visto o seu requerimento, e informação que sobre este particular fui servido mandar tomar pelo Corregedor da Commarca de Pinhel - hei por bem de conceder licença aos supplicantes, para que possam eleger, na dita Villa de Algodres, Alcaides, na fórma dos mais Concelhos; cumprindo-se este Alvará inteiramente, como nelle se contém; e valerá, posto que seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação do livro 2º titulo 40 em contrario - e este Alvará se trasladará nos Livros da Camara, para a todo o tempo constar que eu assim o houve por bem. E pagaram de novos direitos 540 reis.
António Nunes Cardoso o fez, em Lisboa, a 16 de Setembro de 1700. Luiz Paulino da Silva o fez escrever. = REI
Liv. XXVI da Chancellaria fol. 263v..
In:
SILVA, 1859, p. 463.
Disponível on-line em Ius Lusitaniae.
(site Ius Lusitaniae Fontes Históricas de Direito Português descoberto via Cum Grano Salis).
Anotação:
As principais referências bibliográficas sobre as autoridades administrativas e os serviços públicos existentes em Algodres, anteriormente à extinção do concelho, em 1836, continuam a ser as obras do Pe. Carvalho da Costa (COSTA, 1868) e de Mons. Pinheiro Marques (MARQUES, 1938).
A Corografia Portugueza do Pe. António Carvalho da Costa (COSTA, 1868, p.187) registava que o concelho de Algodres tinha dois Juízes ordinários, Vereadores, um Procurador do Concelho, Escrivão da Câmara, Juíz dos Orfãos com seu Escrivão, outro (escrivão) do Judicial & Notas, um Almotacel, um Alcaide e uma Companhia de Ordenanças da vila e três no termo.
Mons. Pinheiro Marques (MARQUES, 1938, p. 288), com base nessa obra e no Livro dos Acórdãos da Câmara de Algodres (documento cujo paradeiro se desconhece), esclarece, com maior detalhe que:
A Câmara de Algodres tinha dois juízes ordinários, três vereadores, um Procurador do concelho, um escrivão da Câmara, um almotacel e um alcaide, além das autoridades secundárias, jurados, coudeis, etc. nos povos do têrmo.
Havia também juíz dos órfãos com seu escrivão e porteiro do auditório, além dos escrivãis-notários. (Liv. dos Acord, passim e a pág. 49; Corogr. Port.do Pe. Carvalho da Costa).
A vila era sede de uma capitania-mor de ordenanças, à qual estavam subordinadas a companhia da vila, as três do termo, cujas sedes creio terem sido em Casalvasco, Vila Chã e Maceira e ainda as de Figueiró, Fornos e Matança (Corografia Portuguesa pelo Pe. Carvalho da Costa)..
Do Alvará acima transcrito, pode deduzir-se que o cargo de Alcaide só terá sido oficialmente criado no concelho de Algodres no ano de 1700.
Nessa época, o Alcaide do concelho (também denominado alcaide da vara ou alcaide pequeno sobretudo nas terras em que havia alcaide-mor) era uma autoridade administrativa com funções essencialmente de policiamento e fiscalização (cf. Ordenações Filipinas, Livro I, Tit. LXXV; MARQUES, 1938, p. 64; FONSECA, 2005, pp. 84-85).
A fundamentação invocada neste Alvará aponta para uma certa concentração das funções de Alcaide com as funções próprias do Meirinho, que era à época o oficial de justiça encarregado de executar os mandados dos magistrados ou do tribunal. Talvez por isso para além da questão da remuneração se tenha disposto que o Alcaide podia meirinhar.
Bibliografia: v. entradas de 2005-05-09.
Acaba de ser publicado mais um número da revista Beira Alta (vol. LXIV (2005) – fasc. 3 e 4), no qual Óscar Caeiro Pinto assina um artigo de interesse para a história do concelho de Fornos de Algodres, intitulado: “Os Albuquerque, de Queiriz (subsídios para a sua genealogia)” (pp. 359-394).
Ponte sobre a Ribeira das Forcadas - Matança
(foto de Albino Cardoso - Fevereiro de 2006).
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