História e Património das "Terras de Algodres"
(concelho de Fornos de Algodres)
ed. Nuno Soares
Contacto: algodrense(at)sapo.pt
Segunda-feira, 14 de Agosto de 2006
Tesouros da Misericórdia de Algodres: (1) o "Senhor da Cama".

SrCama.JPG

 

 

O "Senhor da Cama”.

 

 

 

O altar-mor da igreja da Misericórdia de Algodres, tem, na base, um compartimento que contém uma escultura em madeira, figurando um Cristo supliciado, em tamanho natural, na posição de jacente. A imagem é popularmente conhecida como “o Senhor da Cama”, havendo quem chame ao altar-mor “o altar do Senhor da Cama”[i].

 

 

 

Esta escultura é notável pela perfeição e realismo da sua execução e pelo facto de os braços da imagem serem articulados, podendo ser abertos e elevados à altura dos ombros.

 

 

 

SrCama2_2.JPG

 

 Pormenor da articulação no braço.

 

  

 

Não havendo elementos que permitam uma datação segura, é provável que a sua feitura ronde o séc. XVII, época da fundação desta Misericórdia[ii].

 

 

 

É bem conhecida a importância que a celebração da Paixão de Cristo assumiu nas práticas devocionais do período moderno, no âmbito das reformas católicas pós-tridentinas[iii].  As Misericórdias asseguraram, em regra, a organização dos rituais da Semana Santa[iv], imbuídos de grande plasticidade e carga cenográfica, o que influenciou o acervo de pinturas e imagens relacionadas com essa temática de que dispunham, a arquitectura dos seus templos (dotando-os, por ex., de púlpitos exteriores) ou a construção de outras estruturas, como as Vias Sacras (que proliferaram a partir dos sécs. XVI e XVII). A devoção à Cruz[v] foi também muito difundida pelas Misericórdias, designadamente através da construção de cruzeiros.

 

 

 

A Misericórdia de Algodres, localmente responsável pela organização das celebrações da Semana Santa[vi], é um bom exemplo neste domínio. A sua igreja, construída provavelmente entre os sécs. XVII-XVIII, tem um púlpito exterior (popularmente chamado “Varanda de Pilatos”) e tem associados um cruzeiro, no largo fronteiro (como era habitual) e seis nichos em pedra, espalhados pela povoação, que constituem uma Via Sacra, cujo percurso culmina no Calvário, situado no Alto de S. João.  No seu património artístico relacionado com aquelas celebrações, para além do “Senhor da Cama”, podemos encontrar uma imagem do “Senhor da Cana Verde”, a tradicional imagem de Cristo carregando a cruz e os painéis pintados, alusivos aos Passos da Paixão, destinados a serem colocados na Via Sacra acima referida.

 

 

 

 

 

 

Voltando à imagem do “Senhor da Cama”, objecto principal da presente entrada, importa referir que as esculturas deste tipo foram concebidas para uma utilização ritual, que envolvia a sua crucificação - com os braços abertos – e posterior descida da cruz e deposição num esquife – então já com os braços paralelos ao tronco.  Essa finalidade, justifica o facto de os braços da imagem serem articulados, a posição das mãos (com as palmas viradas para cima) e a inclinação da cabeça e dos membros inferiores (mais própria de um crucificado que de um jacente).

 

 

 

Embora me tenham afirmado não haver, em Algodres, memória de tal utilização, o certo é que imagens deste tipo continuam a ser usadas, pela forma descrita, em rituais da Semana Santa, quer no distrito da Guarda (por ex. em terras de Figueira de Castelo Rodrigo[vii]) quer em diversos outros locais.  Em Monsanto (Idanha-a-Nova), a descida da cruz de uma imagem de Cristo, com os braços articulados, semelhante ao “Senhor da Cama”, foi recentemente documentada, em magníficas fotografias[viii] [ix].

 

 

 

A seguir:   (2)  o quadro da sacristia.

 

 

 

Bibliografia:  v. entradas de 2005-05-09.

 

 

 

Notas:

 



[i] Cf. RODRIGUES, s/d.

 

[ii] Cf. MARQUES, 1938, p. 294.

 

[iii] Cf., por ex., PALOMO, 2006, pp. 94-95.

 

[iv] Com especial destaque para a procissão de Quinta-Feira Santa – cf. SÁ, 2001, pp. 92-94; SOUSA, Ivo, 1998, pp. 31 e 34.

 

[v] Cf. PALOMO, 2006, p. 96.

 

[vi] Cf. MARQUES, 1938, pp. 294-295.

 

[vii] Como me confirmou o meu amigo Guilherme Rodrigues.

 

[viii] Cf. CATANA e AZEVEDO, 2004, pp. 94-100.

 

[ix] Talvez o Joaquim, incansável estudioso e divulgador das terras de Idanha, nos possa adiantar mais elementos.    

 


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