No que se refere à presença romana na Matança, João de Almeida sugere que a localidade seria um oppidum para não só servir de base de ocupação e centro administrativo de valor, mas também guardar a estrada militar que servia de transversal entre as da Guarda a Linhares, Conímbriga e a da Guarda a Aguiar da Beira e Lamego...[i]. Esta tese foi burilada tendo em conta a existência das pontes cujos alicerces foram por este autor considerados romanos, bem como pelos vestígios de lajes de pedra na via de acesso a uma das pontes. Ora, não é possível considerar as pontes/lajes como romanas, porque até à data não foi apresentado qualquer documento que permita considerar que estes vestígios pertencem à época em questão, já que em períodos muito posteriores a edificação deste tipo de estruturas foi em tudo semelhante às formas constructivas usadas no período romano. Contudo, é possível que a importância da localidade decorresse da sua relevância militar, mormente no controlo de um determinado território do interior da Lusitânia. Com efeito, um espaço situado num dos extremos da provoação tem a designação de Castelo (figura I). Este mesmo local não possui no presente vestígios de quaisquer fortificações. Todavia, um dos blocos de pedra inserido nos alicerces de uma habitação deste mesmo local (figura II) é possivel verificar que o mesmo aparenta ter aparelho romano. Este documento material e a toponímia - Castelo - permitem considerar a Matança como uma localidade que teria alguma relevância militar na Época Romana. Embora não haja uma prova cabal, como já referido, de que as pontes datem efectivamente da Época Romana, é possível que a importância da Matança, tal como João de Almeida sugeriu[ii], tivesse a ver com o controlo militar de uma das estradas secundárias do interior peninsular. Seguramente que esta atalaia não tendo dimensões significativas, uma vez que os vestígios da estrutura não são actualmente visíveis, até porque o espaço foi objecto de um novo arranjo em épocas posteriores - terá servido no decurso dos séculos para a protecção dos habitantes da localidade deixando mais tarde, provavelmente no período da Baixa Idade Média, de ter qualquer utilidade na defesa da povoação/território.
Figura I
Castelo Matança
Figura II
Castelo Matança
João Rocha Nunes
[i] João de Almeida, Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, Ed. do autor, 1945, vol. I, p.240.
[ii] Idem, p. 240.
(colaboração de João Rocha Nunes)
É indubitável que a presença romana foi uma realidade na localidade de Matança, embora se desconheça se efectivamente esta povoação foi fundada pelos romanos. Alguns autores referem vestígios materiais que decorrem da chegada dos povos do Lácio às Terras de Algodres e em particular à localidade que iria adoptar no decurso da História o nome de Matança[i]. Leite de Vasconcelos, em finais do século XIX, nas prospecções que fez no Monte dos Matos, que dista de Matança cerca de 1 km detectou destroços de duas ordens de muralhas concentricas; estas têm de largura actualmente 1 metro pouco mais ou menos. Num dos extremos de uma das muralhas ha o alicerce de uma casa rectangular de uns 6m X 4 m, porém não posso dizer a que época pertence. Abaixo dos destroços da ordem de muralhas inferior, num pinhal e em campos, depararamse-me muitos montinhos de pedras, ao parecer, de ruinas de casas. Sobre estes monticulos, e fóra deles, pelo terreno das encostas, - externamente, como digo ás muralhas vi, inumeros fragmentos de tegulae de diversas côres (vermelhas, brancas e azulado-negras), e alguns de imbrices. Concluí disto que no monte dos Matos houvera um castro, a que sucedeu, como em muitos outros casos se observa, a civilização romana.[ii]. Este mesmo autor afirma, igualmente, ter achado no lugar de Matança tegulas, um denario de Augusto, e uma inscriçao funeraria[iii].
Pese hoje se desconheça o paradeiro dos vestígios assinalados por Leite de Vasconcelos no Monte dos Matos, parece verosímel a interpretação do autor: as muralhas concêntricas são susceptíveis de ser da Época Castreja, enquanto que os restantes documentos materiais são claramente da Época Romana. Leite de Vasconcelos sinaliza igualmente na Matança a existência de uma inscrição funerária.
Figura I
Inscrição da Matança[iv]
...................
XXVCAMI
RAIYTAIP
AN XVI
___
TONGETA
ARANTO
|
Como é visível pela figura I, quando Leite de Vasconcelos coligiu a inscrição, esta encontrava-se já muito deteriorada[v]. Todavia, e não obstante se encontrar mutilada, a inscrição permite a obtenção de preciosos informes acerca da Matança na Época Romana. Com efeito, no documento em questão são perceptíveis os seguintes onomásticos Camira, Tongeta e Aranto. Camira é efectivamente um nome feminino de origem indígena[vi]. Tongeta trata-se de uma designação onomástica cuja origem remete para a etimologia hispânica[vii]. Já Aranto parece ser a abreviatura de Arantonius que é um onomástico de origem celta e uma designação típica de Beira interior[viii]. A inscrição parece evidenciar, igualmente, a idade de dois indivíduos 25 e16 anos, respectivamente. Esta inscrição data de cerca do século I, uma vez que se insere no tipo de documentos epigráficos funerários erigidos por uma população de origem local que lentamente assimilava a cultura romana, à semelhança do que acontecia em outras localidades da que mais tarde viria a ser designada de Beira Interior[ix]. A menos que surja alguma evidência em contrário, a importância desta inscrição para a história local é que prova pela presença de população autóctone na localidade - que a Matança foi fundada na Época Romana, mormente por população autóctone. Poder-se-ia pensar que esta localidade pudesse já ser uma realidade no período anterior à presença romana no território peninsular. Alguns autores referem a existência de um castro que estaria na origem da provoação[x]. Todavia, o facto de o Monte dos Matos ser povoado não fazia sentido existirem dois núcleos habitacionais tão próximos - sugere que a Matança foi efectivamente fundada no Périodo Romano, cerca do século I. A crer nas referências de Leite de Vasconcelos, o Monte dos Matos foi um castro romanizado. Este espaço continuou a ser habitado depois da chegada dos romanos. Ora, à semelhança do que aconteceu em outros locais do norte de Portugal[xi], é possível que tenha existido uma transferência de população do referido Monte dos Matos para um espaço contíguo, situado em um vale e próximo de cursos de água, mais propício nesse sentido à prática agrícola.
Notas:
[i] A desginação de Matança não oferece dúvidas quanto à origem etimológica. A questão que se coloca é que contendores teriam travado o combate. Há quem sugira Romanos e Bárbaros e há quem se incline para Cristãos e Muçulmanos. Pinheiro Marques, Terras de Algodres, Ed. Câmara Municipal de Fornos de Algodres, 1988, p. 308.
[ii] Leite de Vasconcelos, De terra em terra, Ed. Imprensa Nacional, Lisboa, 1927, p. 140.
[iii] Idem, p. 140.
[iv] Esta inscrição aparece citada na obra de Fernando Barbosa Barros Leite, Concelho de Penalva do Castelo: Recolha bibliográfica, contributo para uma monografia, Câmara Municipal de Penalva do Castelo, 1997, p. 40.
[v] É possível que esta inscrição seja a que se encontre em uma das casas do Arrabalde, contíguo ao espaço designado de Castelo, e que no decurso do século XX foi coberta com argamassa em virtude de obras de melhoramento da referida habitação.
[vi] Ana Paula Ramos Ferreira, Epigrafia Romana na Beira Interior: Evolução ou Continuidade?, Instituto Português de Arqueologia, 2004, p. 23.
[vii] O onomástico Tongeta encontra-se no território português e em algumas regiões de Espanha, designadamente em Cárceres . J.J. Sayas; J.L. Sánchez, Nuevas inscripciones cacerenas, In Anejos de Gerión, II, Ed. Universidad Complutense, Madrid, 1989, p. 434 436.
No próximo dia 18 de Junho, pelas 18:00h., o Doutor António Carlos Valera apresenta, na Secção de Pré-História da Associação dos Arqueólogos Portugueses, uma comunicação intitulada: "Quinta das Rosas (Fornos de Algodres): expressão de matrizes prévias de um povoamento calcolítico local durante o Bronze Final".
Local: Largo do Carmo (Museu), Lisboa.
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