História e Património das "Terras de Algodres"
(concelho de Fornos de Algodres)
ed. Nuno Soares
Contacto: algodrense(at)sapo.pt
Quarta-feira, 5 de Dezembro de 2007
Documentos para a história de Algodres (15)
A invasão francesa de 1810 em Algodres
Num momento em que começa a ser assinalado o segundo centenário das invasões francesas, é oportuno recordar um testemunho escrito que dá conta do que se passou em Algodres, em Setembro de 1810, por ocasião da 3ª. invasão, comandada por Massena.
O relato, lavrado pelo Vigário de Algodres de então, foi encontrado no arquivo paroquial por Mons. Pinheiro Marques, que o transcreveu e publicou (cf. MARQUES, 1938, pp. 198-199).
Admitindo que alguns interessados possam não ter acesso a essa publicação, reproduz-se a transcrição do documento em causa:
LEMBRANÇA DOS DIAS DA INVASÃO DOS INIMIGOS FRANCESES PARA FICAR ad rem perpetuam EM QUE SE DÁ CONTA DAS MALDADES INIQUIDADES, OS ORROROSOS CRIMES COM AS VIOLENTAS MORTES E ROUBOS QUE NESTA FREGUESIA DALGODRES FIZERAM.
Os Inimigos Francezes invadirão n esta minha Freg.ª e Vila d Algodres, no dia 16 de 7.bro de 1810, pelas 5 horas da tarde, em cujo dia não fizerão roubo algum e eram então 5 para 6 os tais inimigos e então pouco fizerão hostilidades, e no dia seguinte, 17 do dito mês, tornarão a esta minha Freg.ª e a todos os povos dela, em que fizerão muitos e a voltados roubos e tambem derão causa a que se incendiassem, queimando-se humas das milhores casas d esta Vila, das quais he senhor e possuidor d ellas João Osorio de Castro, meu freguez, nas quais alem dos Inimigos roubarem n ellas antes do incendio quanto quizerão afinal porque não só o dito João Osorio como tambem sua mulher D. Tereza, como tambem sua filha D. Clara, sussedendo cairem todos trez nas garras d elles, ficando todos trez maltratados e sobre tudo o dito João Osorio que esse ficou estendido no chão já sem nada mais mover-se, ficando semi-morto...
E o mesmo fizerão a todos os meus freguezes...
No dia da invasão mataram violentamente Antonio da Fonseca Grego, Antonio Fonseca Faia, Maria Luiza da Guerra, Maria Pinheiro, José Alves e Manuel d Almeida.
Violentaram muitas mulheres, morrendo algumas por efeito dos maus tratos recebidos.
Arrombaram e profanaram a Igreja paroquial, a Misericordia, roubaram todas as pratas que encontraram, e varias alfaias, causando ainda outros prejuizos materiais, arrombando até a porta do sacrario.
De 2 palios, rasgaram um e roubaram o outro.
Derão sete saques por espaço de quatro dias, sempre de manhan, de tarde sempre em grande numero, sem sessar, athé cobrindo todos estes bosques todos os montes e vales, como tambem toda a Barroca. (Assinados) J.e M. Camelo Fortes. Joaquim José de Sousa e Manuel de Lemos Napoles. O vigario, Thomaz Guadagnini.
(in Pinheiro Marques, Terras de Algodres (concelho de Fornos), 1938, pp. 198 199).
Excelentes sugestões! Espero que se possam concretizar. Um abraço amigo e votos de Boas Festas,
A Guerra Peninsular, tal como outras guerras, deixou uma marca profunda nas Terras de Algodres como bem atesta o documento publicado. Seria interessante, a partir dos registos paroquiais - óbitos - fazer a contabilização das perdas humanas no concelho. Por exemplo,só no que se refere à Matança foram quatro mortos, salvo erro no dia 16 de Setembro de 1810 - curiosamente dia de S. Eufêmia. Talvez um dia Fornos preste a devida homenagem a todos os aqueles que sendo oriundos das "Terras de Algodres" deram a vida por Portugal.
Desejo Boas Festas a todos e em especial aos amigos Nuno Soares e Albino Cardos
Caro Albino: de momento, não encontro outras referências a esse combate, mas logo que possa tentarei descobrir mais alguma coisa. Um grande abraço,
Caro Nuno:
Bem haja, provavelmente teram atravessado pela ponte de Juncais, ou pela da Ponte Nova que era o que o caminho mais perto.
Sabe-se pelo "Terras de Algodres", que essas mesmas pontes foram dinamitadas aquando da terceira invasao, para atrazar o seu avanco.
Ja agora, tambem ai e mencionado um recontro entre as tropas Anglo-Lusas, na Ferraria (Figueiro da Granja), quando Massena retirava de Portugal em 1811, sera que consegue algum documento que o ateste?
Um abraco de amizade.
Caro Albino:
Voltando ao assunto do meu anterior comentário, tenho agora à mão um relato da passagem do general Loison pela Beira Alta, em Junho de 1808, durante a 1a. invasão, que se encontra na monumental obra de José Acúrsio das Neves Historia geral da invasão dos francezes em Portugal e da restauração deste reino, publicada em cinco vols. entre 1810 e 1811. No cap. XVIII do Tomo III (pp. 235-253), o autor relata como Loison, que saíra de Almeida a 17 de Junho para ir castigar a revolta do Porto, se viu obrigado a retirar precipitadamente de Mesão Frio, perseguido por uma paisanagem mal armada, mas furiosa, tendo passando pela Régua, Lamego, Castro DAire e Viseu. Diz-se que vinha manso como hum cordeiro, porque teria recebido ordens de Junot para tratar bem os povos, para não avolumar a revolta. Saindo de Viseu, seguiu por Mangualde e Celorico, onde pernoitou, após o que rumou a Pinhel, que se tinha revoltado. Em 30 de Junho ainda iniciou o saque de Pinhel mas, face à notícia da chegada de forças portuguesas a Trancoso, levantou campo, e foi metter-se em Almeida, unico abrigo, que lhe restava, porque nesse mesmo dia se tinha levantado Viseu, e tudo se revolucionava á roda delle. Presumo que, no referido percurso entre Mangualde e Celorico, Loison terá passado pelas terras de Algodres (ou sua vizinhança próxima), porém sem se deter ou fazer ali quaisquer hostilidades, motivo pelo qual não terá ficado memória dessa passagem. Transcrevo o relato de Acúrsio das Neves sobre o que então se terá passado (Tomo III, pp.251-252): Tomou Loison a estrada de Mangoalde, e continuou a sua marcha sem acontecimento algum notavel até as visinhanças de Celorico. O povo desta villa já estava amotinado, mas o Juiz de fóra prudentemente o conteve, até que os Francezes passárão, e se effeituou então o levantamento, sem perigo. Loison, percebendo a fermentação, mandou perguntar se o querião receber como amigo, ou como inimigo; respondeo-se-lhe, que como amigo, o que não obstante, acampou fóra da villa. No dia seguinte vio-se ameaçado pelos paizanos de algumas aldêas, que o observavão dos oiteiros: destacou contra elles alguma tropa, incendiou casas e fez outras hostilidades na aldea de Souropires (Tomo III, pp. 251-252).
Ainda segundo o mesmo autor (ob. cit., Tomo IV, pp. 65-80), o saque da Guarda ocorreu dias depois, a 3 de Julho, quando Loison saiu de Almeida, retirando para o Sul. Em 5 de Julho foi saqueada Alpedrinha e no dia imediato Sarzedas, seguindo depois Loison para Abrantes e Santarém.
Um abraço amigo do,
Caro Albino: não vi o documentário a que o meu amigo se refere, por isso nada posso adiantar, mas, em matéria de História, os nossos produtos televisivos costumam deixar muito a desejar...
Não costuma ser mencionado, mas, durante a 1a. invasão, os franceses também andaram pela Beira Alta. Desconfio até que, num dos episódios dessas incursões, se não passaram pelas Terras de Algodres não devem ter andado muito longe... Sabe-se que o general Loison (o "Maneta"), retirando de Mesão Frio, passou pela Beira e terá seguido de Viseu para a Guarda. Na Guarda (como depois em Alpedrinha e noutros lugares), as tropas de Loison deixaram a sua passagem assinalada por terríveis massacres. Mas ainda não consegui encontrar referências ao que se terá passado no percurso entre Viseu e a Guarda. Um grande abraço do,
Caro Nuno:
Visionei ontem na RptI o documentario "Vem ai os franceses", estava a espera de algo muito melhor, infelizmente a RPT defraudo-me, quase nem se referiram a terceira invasao, que passou pela nossa Beira!
Creio que este programa foi feito mais como uma desculpa aos franceses do que para ilustrar uma verdadeira oposicao nacional.
Fomos ai apresentados como que uns malfeitores e guerrilheiros contra os santinhos dos soldados franceses!!!
Fiquei muito triste com este triste programa.
Um abraco de amizade.
Um grande abraço, amigo Albino. Se recuarmos a 1810, provavelmente seremos todos primos! Logo que possa colocarei um link para este documento numa anterior entrada (sobre a história e o património de Algodres) em que o mesmo é mencionado.
De
a cardoso a 6 de Dezembro de 2007 às 08:12
Eu por sinal possuo as duas ultimas edicoes do "Terras de Algodres", e ate ja possui a primeira, mas como diz provavelmente havera muita gente que esta informacao interessa.
Quem sabe se este Manuel d'Almeida, nao foi meu antecessor?! Como sabera parte da minha familia paterna tem origem em Algodres e, o meu bisavo foi Manuel d'Almeida "Pratas"! Mas este foi de uma geracao posterior.
Um abraco de amizade.
O documento publicado por Mons. Pinheiro Marques regista que os invasores franceses “…derão causa a que se incendiassem, queimando-se humas das milhores casas d’ esta Vila, das quais he senhor e possuidor d ellas João Osorio de Castro …”.
À época e com tal descrição, ter-se-á tratado, muito provavelmente, do solar brasonado da família Osório de Castro sito no Largo da Nogueira. Curiosamente, uma fotografia de 1931-01-24 do arquivo do jornal “O Século” (PT/TT/EPJS/SF/001-001/0019/0100F, disponível em linha aqui: http://digitarq.arquivos.pt/details?id=1212259 ), mostra a referida casa destelhada e com o interior em ruínas. De momento, não disponho de elementos que esclareçam se assim permaneceu desde 1810.
[há outra fotografia interessante, do mesmo arquivo e da mesma data (PT/TT/EPJS/SF/001-001/0019/0102F, disponível em linha aqui: http://digitarq.arquivos.pt/details?id=1212261 ), com uma vista da Praça e do pelourinho de Algodres]
Comentar post