História e Património das "Terras de Algodres"
(concelho de Fornos de Algodres)
ed. Nuno Soares
Contacto: algodrense(at)sapo.pt
Segunda-feira, 8 de Agosto de 2005
As Forcadas e as sepulturas escavadas na rocha I
(colaboração de Albino Cardoso)
Estive quase tentado a escrever o título desta entrada da seguinte forma: as Forcadas e as sepulturas antropomórficas. Depois pensei melhor e realmente não fazia sentido, na realidade não são antropomórficas, pois não foram escavadas com a forma do corpo humano. De acordo com os especialistas na matéria esse facto tê-los-á levado à conclusão que são muitíssimo mais antigas do que as outras com forma antropomórfica, estaríamos então perante uma necrópole datada dos séculos VII ao IX. Ora tanto quanto sei não foram encontrados nenhuns materiais, que possam ser tratados e datados com radiação de carbono e portanto estas datas são especulativas. Mas supondo que são datadas dessa época, são dos primeiros séculos da nossa era cristã. Ainda de acordo com os mesmos técnicos, como são dos primeiros séculos da era cristã, então são sepulturas cristãs.
Aqui é que começa a minha dúvida; serão mesmo sepulturas cristãs? Tentando arranjar uma explicação lógica os mesmos estudiosos tentam localiza-las junto a algum templo antigo ou tentar encontrar na sua orientação canónica a explicação para essa afirmação. Ora tanto quanto tenho conhecimento com a excepção da necrópole de Vila Ruiva da Serra, nem nas Forcadas nem em nenhum outro grupo ou sepulturas isoladas no nosso concelho fica situado junto a nenhum templo cristão ou vestígios orais ou materiais dele. Junto ao nosso município, mas no de Celorico, existe até o facto de, na necrópole de S. Gens, em vez de haver restos de um templo cristão, existirem isso sim vestígios de culto a outras divindades, ainda gostaria de saber em que se basearam para lhe dar esse nome.
Em Vila Ruiva como afirmei a necrópole já antropomórfica encontra-se localizada junto à capela do arcanjo S. Gabriel. Esta capela é muito recente pois foi construída em meados do século XX sobre as ruínas de outra mais antiga. No entanto ponho muitas dúvidas que aquela capela antiga pudesse datar dos primeiros séculos da era cristã. É também curioso que a invocação de S. Gabriel até pode coincidir com outra teoria que gostaria de explorar noutra entrada.
Voltemos então às Forcadas e isso até pode servir, para todas as outras sepulturas escavadas na rocha, conhecidas na nossa região. Todos quantos têm estudado e evolução da religião cristã sabem que desde que foram construídos os primeiros templos, os cristãos sempre foram sepultados no seu interior ou nas suas imediações. Temos entre nós o caso da "recente" descoberta da necrópole de Algodres situada junto a antiquíssima igreja de Santa Maria. Suponho eu sem grandes receios de ser desmentido que é a mais antiga igreja do nosso concelho (este costume estava de tal maneira enraizado na tradição das nossas gentes, que no século XIX quando Costa Cabral decretou a construção dos cemitérios originou uma revolta que originou a queda do seu governo). Ora admitindo que a fundação da igreja da Matança possa datar dos séculos VII ao IX, o que eu duvido, porque haveriam dos seus fregueses e contra toda a lógica desses tempos, mandar construir esta necrópole relativamente longe da sua igreja e não ser sepultados junto ou dentro da mesma como era costume. Dirão talvez que as Forcadas é uma povoação mais antiga que a Matança e que aí houve um outro templo mais antigo que a igreja de Sta. Maria Madalena. Tanto quanto sei nem uma nem outra dessas possíveis teorias tem fundamento documental. Não existem vestígios nem memória de nenhum templo cristão nas Forcadas e tampouco se conhecem vestígios arqueológicos que possam comprovar essa tese (a capela hoje existente foi construída na década 80 do século XX).
Voltemos então à minha dúvida: nada prova para além de puras especulações que são sepulturas cristãs, pois até a orientação canónica (decretada muito mais tarde) não está comprovada nelas, embora haja algumas em que isso se possa no entanto encontrar, mas até isso pode ser explicado por outras razões. Também temos que admitir que este tipo de sepultura não era a regra mas sim uma excepção e seria para pessoas de mais posses materiais ou possivelmente para classes superiores, pois a maioria era sepultada na terra e não em sepulcros escavados na rocha. Então ou estas sepulturas são muito mais antigas do que a era crista, ou, sendo da época em que tentativamente estão datadas, serão de outra gente que não cristãos, pois nesses tempos nem toda a gente o era: havia os romanos, os povos autóctones que eles chamaram "Lusitanos", depois vieram os suevos os alanos e mais tarde os visigodos que finalmente se converteram ao cristianismo e havia um outro povo que por estas bandas andava desde o tempo dos romanos: os judeus!!! que infelizmente não são estudados quando é abordada a historia das Terras de Algodres. Além disso também existe entre as nossas gentes a tradição de chamar a estas sepulturas: "sepulturas dos mouros".
De a. cardoso a 9 de Agosto de 2005 às 08:43
Caro Nuno:Como deve ter reparado eu unicamente coloquei a duvida (o que creio legitimo)sobre se estas sepulturas serao cristas ou nao? nao tenho certezas e creio que absolutas nem os estudiosos as teram, nada mais quero com o meu humilde contributo ajudar a responder ou nao a algumas questoes, brevemente darei seguimento as minhas duvidas numa outra entrada.
Possuo ja desde a sua publicacao e li com muita atencao o trabalho publicado por A.VALERA e J.A.MARQUES, referindo os estudos de CASTILLO, BOLOS, PAGES ETC. e J.BARROCA e foi precisamente a sua leitura e porque alguns factos nao faziam muito sentido para mim, que eu comecei a debrucar--me sobre o assunto. Nao creio que esses autores sejam naturais da nossa regiao e portanto provavelmente nao a conheceram tambem como eu. Muito eu gostaria mesmo nao sendo arqueologo, de poder contribuir para a investigacao nessa area na nossa terra, infelizmente encontro-me muito longe e nao posso dar a minha contribuicao.
Brevemente mandarei outra entrada sobre o mesmo assunto focando algumas realidades que foram ignoradas pelos meus amigos Valera e Marques e embora nao querendo ser mais papista que o papa, talvez ajudem fazer um pouco mais de luz sobre o assunto, ou unicamente por so algumas duvidas mais, na realidade raramente os estudiosos concordam com os leigos, mas o meu amigo afirma certezas absolutas nao existem.
Queria no entanto fazer algumas observacoes: Ora se a "terra da Matancia" era e foi por muito tempo um matagal e mais tarde povoada aonde estararam os vestigios de um povoamento que possa estar relacionado com a necropole e com a cristianizacao a regiao, pois havendo vestigios e monumentos do neolitico provavelmente sera muito mais facil encontrar estes que seriam medievais, e portanto uns milenios mais novos, sem ser a propria aldeia das Forcadas. (ha alguns anos li nas antigas edicoes do jornal: "Noticias de Fornos de Algodres" um artigo que ainda possuo escrito por um senhor da Matanca referindo umas ruinas dos: "fies de deus") nunca consegui saber aonde eram e creio que esse senhor ja tera falecido, teria talvez interesse saber onde eram essas ruinas e provavelmente trariam muita luz sobre o assunto.
Acerca da necropole poder estar relacionada com uma mortandade subita, nao faria muito sentido pois se assim fosse nao haveria tempo para perder tempo com a escavacao destas sepulturas e a inumacao seriam na terra por ser mais rapido e nao nestes sepulcros. Como referiu nao ha certezas sobre a existencias de templos paroquiais cristaos na proximidade, a propria Matanca datara de epocas mais recentes. ora se Algodres que creio que concordara comigo e a paroquia mais antiga e tinha a sua necropole relativamente junto a igreja, porque razao e que a das Forcadas haveria de estar longe da sua suposta paroquia?
Posso concordar que a sua localizacao junto a "uma forca viaria" possa ter alguma relacao mas sem vestigios documentais ou arqueologicos continuo com as minhas duvidas.
Continuo a pensar que estas sepulturas antropomorficas ou nao, serao de gente mais culta e abastada do que o resto da populacao e este tipo de sepultura nao eram a regra dos enterramentos mesmo nessas alturas dos primeiros seculos da na nossa era.
Gostaria que outros tambem publicassem as suas opinioes sobre o assunto.
Saudacoes algodrenses, al. cardoso
Caro Albino Cardoso:
Agradeço mais esta colaboração. Todos não seremos demais para tentar aumentar o interesse pelas Terras de Algodres e para progredir no seu estudo. Como escrevi no Correio dos Leitores de 4 de Julho passado, é muito natural e salutar que as opiniões aqui expressas seja por quem for não sejam consensuais. Ora, no caso desta entrada, não consigo estar de acordo com a tese que o meu amigo aqui equaciona.
É certo que a necrópole das Forcadas não tem evidências associadas que permitam datar ou interpretar aqueles vestígios. Mas este tipo de monumentos é muito frequente e, noutros locais, foram encontrados em contextos que permitiram concluir tratar-se de sepulturas medievais cristãs, existindo já um quadro razoavelmente seguro sobre a sua cronologia e evolução, sem prejuízo da variabilidade local e regional que sempre ocorre (v., por ex., os trabalhos, em Espanha, de A. CASTILLO, M. RIU, J. BOLÒS e M. PAGÈS, K. KLIEMANN, C. CASA MARTINEZ, ... ou, em Portugal, de M. J. BARROCA e tantos outros, sendo de especial interesse para a nossa região os de A. VALERA e J. A. MARQUES). Havendo tantos dados empíricos acumulados e interpretações consistentes sobre vestígios em tudo semelhantes aos das Forcadas, creio que a questão se põe ao contrário, ou seja, para questionar que se trate de sepulturas cristãs importaria, no estado actual dos conhecimentos, aduzir elementos contextuais ou teóricos que ilidissem, para esta necrópole, a interpretação que correntemente é efectuada.
O facto de a necrópole das Forcadas estar, eventualmente, afastada de templos, ou de a orientação das sepulturas não obedecer à orientação canónica, por si só não sustentam, a meu ver, as dúvidas expressas. Esses factos são bastante comuns nas necrópoles rupestres cristãs anteriores ao séc. IX. A generalização da estruturação das necrópoles em torno de templos paroquiais e da orientação canónica (O-E) ocorre como regra mais tardiamente. E convém lembrar que, nestes tempos, os concílios muito pugnaram por manter os enterramentos fora das igrejas, sendo frequente a construção de sepulturas isoladas ou em pequenos núcleos, fruto de um povoamento disperso (ao ponto de outras determinações conciliares proibirem que se pratiquem cerimónias religiosas junto de tais monumentos, o que prova que estes existiam e que aquelas se praticavam ...).
No caso das Forcadas, várias explicações têm sido apresentadas para a existência de uma tão vasta necrópole sem associação clara a um templo. Poderia existir ali algo tão simples como um oratório, de especial devoção; poderia tratar-se de um espaço sepulcral estruturado, mas vinculado a uma sede paroquial distante; poderia ser resultado de uma mortandade súbita (por guerra ou doença)...
Uma ou mais destas explicações poderão andar perto da verdade. Neste período muito problemático da Reconquista, em especial nesta zona de fronteira entre cristãos e muçulmanos, o povoamento na zona envolvente das Forcadas seria provavelmente disperso, pouco organizado e não há certezas sobre a existência de templos paroquiais nas proximidades. A própria Matança (cujo nome virá, como já se referiu neste blog, do matagal em que estas terras se tinham tornado) só aparece razoavelmente estruturada como município no séc. XIII, após as Inquirições e o foral de D. Afonso III. É pois possível que a necrópole das Forcadas fosse um espaço sepulcral central dos habitantes cristãos daquela zona (associado, ou não, a um oratório ou a uma paróquia distante), implantado nas proximidades de um cruzamento de caminhos com importância local (que terá originado o topónimo Forcadas), e que talvez tivesse até antecedentes em práticas sepulcrais da antiguidade tardia (hipótese a explorar).
No caso de Vila Ruiva, é possível que a necrópole tenha estado desde o início associada a um pequeno templo. Tanto quanto me recordo, essa necrópole também inclui sepulturas não antropomórficas, que tendem a estar mais próximas do templo que as antropomórficas, revelando uma espécie de estratigrafia horizontal, em que as sepulturas se afastam do templo, devido à necessidade de utilizar novas rochas, à medida que a necrópole vai evoluindo no tempo.
Num aspecto concordo, porém, inteiramente consigo. O estudo da presença judaica no nosso concelho está todo por fazer. Bom seria que alguém pudesse dar contributos nesse sentido. O blog cá fica à espera de mais contribuições, sejam elas consensuais ou problematizantes!
Cordiais saudações algodrenses do,
Comentar post